Vida de marinheiro






Haviam entre os marujos do Cruzador um dialeto próprio nunca antes ouvidos por nós novatos. Os “Chibateiros” seriam aqueles que possuíam graduações ou patentes e que geralmente eram os ditos carrascos dos subalternos, tratando-nos de forma absurdamente desumana. Além de outros anglicismos tais como “Gorgota”, “Velha-Guarda”, “Fanchone”, “Boi-de-bico”, “Quatí Rabudo”, “Tá safo?” (Are you Safety); “tá na onça? (at once!); “Olha o rango!” (are you hungry?) dentre outros adquiridos em sua maioria pela marujada quando no recebimento de navios nos EE.UU.
Nossa função no navio, estabelecida pelo sargenteante para agravar ainda mais nossa situação, era o posto de rancheiros que em navios de grande porte, assim como o nosso, sempre fora considerada uma das piores funções tendo em vista o acúmulo demasiado de tarefas que exigiam somente esforços braçais. Além disso, dormíamos em macas dispostas no refeitório, exigindo de nós - além das penosas tarefas da rotina-, que em todas as manhãs arrumássemos o espaço deixando-o pronto para ser devidamente utilizado nos horários de “Olha o rango!” (are you hungry?). 
Por termos como atividade principal toda a parte pesada dos gêneros alimentícios, subíamos e descíamos escadas com quilos de arroz, sacas e mais sacas de feijão, caixas e mais caixas de legumes, frutas e quartos de boi pesadíssimos além de lavarmos todos os pratos, talheres, terrinas etc. Vale lembrar que eram ao todo mil marinheiros a bordo. Sem contar que além desses afazeres de rotina, eram-nos dadas as obrigações de deixar, no linguajar do sargento Mestre-D’armas, o convés do navio “cheirando-a-alho”, assim como nossas peças de roupa a ele apresentadas sempre aos finais de semana; as extraviadas, depois de feito um balanço por ele e por seus ajudantes, eram por nós, os rancheiros, absurdamente indenizadas. Bem, voltando a torturante limpeza do convés que era chamada “lona-de-areia” onde eram calçados por nós um pedaço de mangueira e um gorgota calçando suas laterais, cabo antigo, alguns latões de areia molhada ensopadas com soda cáustica, deixando-os extremamente pesados. Estando tudo pronto, espalhávamos toda essa mistura pelo convés arrastando com os próprios pés deixando esse amalgama no ponto ideal que era quando, segundo o cabo, a areia com a água e a soda cáustica ficassem pastosas. 
Eu, um jovem de vinte e poucos anos anos, pesando menos do que o peso em que era obrigado a carregar diariamente, 51 quilos, tinha de arrancar do mais fundo de mim a força avassaladora de um Hércules, que procurei manter sempre viva,  tendo hoje todos os sacrifícios, humilhações sofridas, injustiças de todos os gêneros como fatores fundamentais para a forja de um verdadeiro desbravador das vastidões oceânicas, mantendo sempre disposta esta minha coragem, que florescera em minha juventude, de enfrentar todos os desafios e surpresas que este misterioso e vasto mar nos reserva.
Ao final da faxina, além do extremo cansaço, ficávamos com os dedos dos pés todos rachados. O navio tinha de estar em perfeitas condições até às 11:30min, pois, a partir do meio-dia, tínhamos o  chamado “Regime de Sábado”, o que significava um período de licença antes do rancho mas com um pequeno detalhe, todos sem se alimentar. Além de tudo tínhamos de acatar às ordens absurdas do Almirante maluco e chibateiro que na época em que comandava o Navio Oficina Belmonte, durante a guerra, escalavam alguns marinheiros para ficarem de vigia no cesto da gávea do navio, tanto em período diurno como no noturno. 24 horas de vigilância devida a neurótica preocupação do Comandante de que a fim de identificar a entrada de algum submarino alemão na Baía de Guanabara levando dezenas de marinheiros, com tuberculose pulmonar para o Hospital Naval de Nova Friburgo.

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