Sobre escrever memórias
Quando decidi escrever minhas memórias não pensei narrar aquilo a que chamam “o melhor dos tempos”. Porque foram muitos tempos, portanto sem moderação de “melhor” ou “pior”. Houve o tempo que passei em casa com os filhos e esposa, aquele que passei com meus pais e irmãos, outro que dediquei aos amigos em terra firme e aquele que doei aos que passaram por mim sem deixar rastros futuros. Quem vive no mar aprende ter muitas casas e muitos tempos. Mas também aprende preservar o que é em si mesma, tendo nisto seu maior patrimônio.
Quando jovem vive o tempo da insensatez como todos vivem. Vierem as experiências que modelaram a idade da sabedoria. Vivi vórtices de crenças, descrenças, punhados de luz, de trevas, calmaria e ímpetos de desespero, beleza das estações louvada na primavera anunciando temperança e esperança,
Estive dentro dos antagonismos de Deus como poucos tiveram. Em muitos invernos tive nada diante de mim, também tive tudo ante minha fronte viajada. Quando das perguntas da vida, presumi que estávamos no Paraíso, em outros que era o sentido contrário assumindo o leme.
Cheguei a confundir tempos. Em certas passagens o mar mostrava-me horas em tal medida semelhante às horas passadas que pensei tratar-se do mesmo instante, acreditando que o relógio congelou no curso das águas.
Ruidosos eram os minutos que insisti que a alegria e a tristeza, o bem e o mal e outras dicotomias encaminhavam meus pensamentos aos superlativos das comparações. Até que entendi que tudo é o que é e nada se compara isoladamente, mas em conjunto e em face um do outro.
O mar me ensinou a entender que a ordem terrena dos eventos pode se confundir com a ordem divina de todas as coisas. Entendi que o mesmo trono que o mar ocupa, também ocupa o céu, e a pequena flor não é menor que o vulcão.
A vida no mar é de longe, o tipo de vida que faz uma pessoa se entender com Deus de uma forma muito peculiar. As oscilações a que estamos submetidos naquele apoio sem chão, desencontro com uma referência fixa no horizonte, faz com que nos vejamos também desaportados de uma única explicação para toda a nossa existência. É como se tivéssemos nascido para também oscilar e com isso apreender do mundo e depois revelar tudo o que é puramente sensorial e acumulado de coragem e revelações do espirito. Sem contar as revelações que viver sobre um chão que não tem fundo, que não se fixa, nos dá sobre nós mesmos, nossas habilidades com nossas fragilidades, nosso parco conhecimento a respeito do mais íntimo oscilar do coração.
Adorei isto
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